Pátria

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Lello & irmão, 1896 - 187 pages
 

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Popular passages

Page 130 - P'ra comer como um porco e roncar como um frade. Neste mundo em que'stou, nesta vida infinita, Grande falta me faz a barriga, acredita! Os miolos, já não... E, caso estranho, agora Penso muito melhor do que pensava outrora... Dão-me ideias! que espiga!... Atribuo tais factos A andar-me na caveira uma porção de ratos. Ideias!... Qual a ideia humana, por sublime, Que se compare ou se aproxime Dum peru com arroz, bem gordo e bem tostado?! Que é a vida? jantar! E a morte? ser jantado! Comer ou...
Page 36 - Tive castelos, fortalezas pelo mundo . . . Não tenho casa, não tenho pão ! . . . Tive navios . . . milhões de frotas . . . Mar profundo, onde é que estão ? . . . onde é que estão ? ! Tive uma espada . . . Ah, como um raio, ardia, ardia na minha mão ! . . . Quem ma levou ? quem ma trocou, quando eu dormia, por um bordão...
Page vii - Capaz de heroismo, capaz de cobardia, toiro ou burro, leão ou porco, segundo o governante. Ruge com Passos Manuel, grunhe com D. João 6.° E de raça, é de natureza.
Page 178 - Miseria eterna . . . meus eternos crimes ! Novos mundos eu vi, novos espaços, Não para mais saber, mais adorar : A cubica feroz guiou meus passos, O orgulho vingador moveu meus braços E iluminou a raiva o meu olhar ! Não te lavava, não, sangue homicida, Nem em mil milhões d'anos a chorar ! . . . Cruz do Golgota em ferro traduzida, Minha espada de heroe, ó cruz de morte, Cruz a que...
Page vii - A creação vem do amor, a génese é divina. Crear é amar. Por isso a obra lhe foi a terra. Pulverisou-se. Só dura o que vive. Uma raiz esteia mais que um alicerce. Pombal em três dias, n'um deserto, quiz formar um bosque. Como? Plantando traves. Adubou-as com mortos e regou-as a sangue. Apodre-ceram melhor. «Sei muito bem que o estadista não é o santo, que o grande político não é o mártir, mas sei também que toda a obra governativa, que não for uma obra de filosofia humana, resultará...
Page 180 - Ó árvore formosa, bem quisera Adormecer eu inda como dantes!... Não abatessem minhas mãos de fera O teu corpo sagrado, roble augusto, Patriarca da lei vestido de hera! Fosse eu ainda o camponês adusto, Lavrador matinal, risonho e grave, D'alma de pomba e coração de justo! Sentisse eu inda a música suave Da candura feliz do peito agreste, Qual em rórida brenha um trino de ave!
Page 60 - Oa (1) manhã, Louco, machado em punho, a golpes de titã, Abateu impiedoso o roble familiar, Há mil anos guardando o colmo do seu lar. Fez do tronco num dia uma barca veleira, Um anjo à proa, a cruz de Cristo na bandeira . . . Manhã d'heróis . . . levantou ferro ... e, visionário, Sobre as águas de Deus foi cumprir seu fadário. Multidões, acudindo, ululavam de espanto. Velhos de barbas centenárias, rosto em pranto, Braços hirtos de dor, chamavam-no . . . Jamais! Não voltaria...
Page 114 - ... E ao levantar a Deus enfim, De hóstia e cálix na mão, o rei voltou-se para mim: — Este vinho é o meu sangue. Este pão negro é o meu corpo: Toma lá o meu sangue, toma lá o meu corpo. — Cuspiu no cálix, deu-mo a beber, bebi... bebi... E a hóstia impura, nem sei de azeda como a engoli! E envenenado fiquei... envenenado fiquei Pelo corpo do rei, pelo sangue do rei! Envenenado e paralisado, Mas inda a ver, inda a sentir... como um dormir De defunto acordado... Então o rei pegou num...
Page 186 - Quase a expirar, soltando um gemido: Pranto, que manas dos meus olhos, Bendito és! Bendito és, porque és o mar de pranto Que os meus crimes verteram pelo mundo... Sangue a correr das minhas fridas, Bendito és! Bendito és, porque és o mar de sangue Do meu orgulho e minha iniquidade...
Page 181 - Os thesoiros sem fim do amor celeste. Nunca de feitos meus cantasse a Historia; Ignorasse o meu nome a voz da Fama E a minha sombra humilde a luz da Gloria.

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