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Doutores na côrte, e aos mesmos tempos de tres em tres annos, e depois destes exames tem ainda os Doutores humas opposições publicas, aonde o que mais sabe consegue certos privilegios de mais honra que lhe faz o Imperador, dandolhe com a sua mesma mão hum vaso de vinho na occasião que todos vão à sua presença, e destes Doutores he que sahem os maiores Mandarins da côrte, e Imperio, e tambem os Chronistas geraes do mesmo Imperio, os quaes vivem em hum collegio, que chamam o collegio dos Doutores em Pekim, não são, porém, os ditos privilegios, nem outras algumas honras da China hereditarios como cá na Europa, porque só as consegue quem por si as merece, sem attenção aos cargos e Dignidades que occuparam seus progenitores, podendo-se dizer delles o que disse o poeta: Et genus, et proavi, et quae non fecimus ipsi, vix ea nostra facimus; fallamos, porém, regularmente porque algumas honras e privilegios ha na China, que passam aos descendentes.

Neste Imperio da China, se não deixa a Magestade facilmente ver de seus vassallos, e nem facilmente se lhe dão immediatamente as petições, ou memoriaes, mas sim por via dos Tribunaes competentes, que primeiro lhos consultam. Tem esta Magestade junto de si, para os despachos, certos Ministros que chamam Kolau, que são como conselheiros do seu estado; e quando esta mesma Magestade sahe para yuen Mim yuen, que he a sua quinta, e quer dizer o jardim da perpetua claridade, aonde o mais do tempo assiste; tomam-se as bôcas das ruas por onde passa, para que o não vejam e muito menos ȧ Imperatriz e Rainhas suas mulheres, e infinitas concubinas, de que igualmente se serve. O estado com que esta Magestade sahe para a quinta, (porque pela cidade não consta que passasse nunca) he buma magestosa cadeira carregada por oito Chinas, e grande numero de Magnates e Mandarins de Palacio, que o acompanham, huns de cavallo, e outros em cadeiras, mas estas a quatro.

He finalmente este Imperio da China, summamente dilatado, muito abundante, muito politico, e sobretudo muito. bem governado, e tambem muito rico; porque só em prata,

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reduzido ao valor da nossa moeda, consta ter o Imperador de renda, em cada hum anno dozentos e vinte e seis milhões trezentos e tantos mil cruzados, e isto só em prata na China, porque não fallamos nos muitos e diversos tributos, que os Chinas tambem lhe pagam, e juntamente quarenta e oito Regulos que ha seus tributarios na Tartaria, mas tambem são excessivos os gastos que faz o mesmo Imperador em obras publicas por todo o Imperio, e na sustentação de inumeraveis Ministros de Letras, e militares, e soldados, que ha em todo o Imperio, de mais de outros gastos, de que eu não posso dar noticia; e me contento com as que ficam escriptas, as quaes todas devi ao meu trabalho, e diligencia que sempre fiz por me capacitar das cousas deste Imperio da China, a quem Deus Nosso Senhor abra os olhos, para que reconheçam os erros em que vivem, e abracem a verdadeira Religião, que os nossos Europeus lhe vão pregar á custa de tantos descommodos, e trabalhos, e sem mais interesse, que o da sua propria salvação.

Lisboa occidental, 10 de Março de 1729.- Francisco Xavier da Rua, Prior de Requeixo, a fez.

Carta do Vice Rey da India para El-Rey

(Arch. da India, livro 98, fol. 7.)

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Senhor. Toda a ruina deste Estado consiste visivelmente

na falta do commercio, e esta falta provém de dois motivos, o primeiro o horror que todos os mercadores, que só são gentios, e mouros, tem ao procedimento do Santo Officio, não só pela diabolica paixão com que sentem serem ultrajados os seus ritos, mas tambem pelo que padecem nos carceres; aonde escolhem morrer, por não alterarem a ceremonia. de não comerem e beberem diante de christãos, nem vianda preparada por mãos de pessoas que não sejam de sua casta;

e sendo muitas as que entre si tem, não pode haver carceres separados para tantas castas. O segundo motivo provém da violencia das prezas, de que já dei conta a Vossa Magestade, como consta da copia que remetto. Estes mesmos mercadores padecem entre as mais nações assim Asiaticas como Europeias maiores violencias; entre as Asiaticas compram os Governadores os dominios com a liberdade de lhe tirarem com violencia os seus cabedaes, e com o estrepito de os açoutarem, dependurarem com as cabeças para baixo, mettendo-lhas em saccos de cinza, para que não possam respirar, cortando-lhes os pés e mãos até lhes tirarem o cabedal, que commummente tem escondido; entre os Europeus, em constando que algum tem cabedal, lhe affectam crimes de infedelidade, e os confiscam; e reconhecendo os ditos que nos dominios de Vossa Magestade não padecem violencias, incitados com tudo e possessos do demonio com amor da sua religião e ritos, se sujeitam a estas violencias, e as escolhem desamparando e largando os dominios de Vossa Magestade; e povoando as fabricas e os commercios dos inglezes e francezes; não deixam de suspirar os dominios de Vossa Magestade, reconhecendo a equidade e igualdade da justiça e das leis portuguezas, propondo só a liberdade de não serem punidos pela inquisição em caso de que elles façam as suas ceremonias ás portas fechadas, sem escandalo do publico, nem em concurso de christãos, porque nestes dois casos se sujeitam a serem punidos; pedem tambem que não se admittam no tribunal do Santo Officio testemunhas da sua casta, que os accusem do que fizeram em sua casa, e allegam que não se faz crivel que por zêlo da religião catholica os accusem os professores da sua mesma idolatria, e se segue desta consideração que as paixões, ou os interesses particulares, são os que as movem.

Estas são as condições com que todos os mercadores se offerecem a vir com os seus navios e as suas familias frequentar os portos e dominios de Vossa Magestade. Não sei o regimento, que a inquisição tem para conhecer de culpas de homens que nunca foram catholicos, e vejo sim, que pela

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excessiva quantidade de presos desta qualidade está despoDezembro voada toda a provincia do Norte, perdida a admiravel fabrica de Tanná, que hoje se começa a estabelecer em Bombaim, de donde os inglezes levam todos os camelões de seda, e là, todos os gorgorões, lenços de seda, e picotilhos, que introduzem nessa côrte; vejo mais, que os commissarios do Santo. Officio são muitos, e commummente frades; não procedem como devem, ainda que alguns por minha ordem se depõem, e outros são castigados pelos mesmos inquisidores.

O meu parecer, Senhor, é que Vossa Magestade ordene aos inquisidores, não procedam contra os gentios e mouros, que fazem alguma ceremonia em sua casa, sem escandalo do publico, nem concurso de christãos, nem por testemunhas de suas mesmas castas; e que esta ordem de Vossa Magestade se mande publicar em toda a parte, pois estou persuadido bastará para que todos os ditos mercadores, fabriqueiros, e vargeiros se recolham aos dominios de Vossa Magestade.

Tambem me parece deve Vossa Magestade ordenar que os cartazes das prezas, se passem sem mais taxa, que a de irem aos portos inimigos do Estado, por quanto os cavallos que elles transportam, não são os de que necessitam para a guerra, por serem innumeraveis os que tem nos seus dominios, dos quaes põem em campo todos os annos 500:000 a 600:000; e os taes que lhe vem da Persia e Arabia são de côrte e de regalo. Concedido assim como elles pertendem, não haverá barco algum de mercador Asiatico, que não tome cartaz nem venha a fazer negocio a este porto; e no preço dos cartazes, que se lhes póde augmentar, crescerão as rendas do Estado, e serão maiores os interesses das alfandegas.

Damão se acha já hoje com 28 pallas, fóra outras embarcações ligeiras, sómente porque tem de outra parte do dominio estranho uma povoação debaixo da nossa protecção, de donde sem receio do Santo Officio fomentam o negocio; e a esta proporção se farão opulentas as mais praças; e cabendo nos limites da attenção religiosa de Vossa Magestade destinar-lhe em todas as provincias um logar para as suas

ceremonias, como se faz a Roma, Italia, e nas mais côrtes da Europa para os judeus, serão sem duvida emporio da Asia os dominios portuguezes, que tão descahidos se acham por falta de commercio.

Deus guarde a muito alta e muito poderosa pessoa de Vossa Magestade felizes annos. Goa 19 de Dezembro de 1729.- Rubrica do Vice Rey, João de Saldanha da Gama.

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Artigos e convenção de paz e amisade perpetua entre o Senhor Martinho da Silveira de Menezes, Capitão geral das fortalezas e terras do Norte, e o Senhor Chrisná Ráo Mahadeo, Governador de Galliana e suas fortalezas e terras do Concão, ajustados por mediação do Senhor Roberto Loivan, Presidente e Governador geral da ilha e castello de Bombaim, apparecendo para este effeito por parte do Estado Portuguez o Senhor Francisco de Mello de Castro, Commissario geral da cavallaria do Norte e Capitão geral da ilha de Salcete, e por parte do Estado Marata os Senhores Sivaramo Pandito, e Rayagi Ramogi, com os poderes sufficientes que ambos apresentaram por parte de um e outro Estado.

(Arch. da India, livro 1.o de Pazes, fol. 326.)

30 Janeiro

1.o Como entre as duas potencias Portugueza e Marata, 1731-1732 pela parte da Provincia do Norte, tenham havido differenças 10 Fevereiro e discordias ao presente, e olhando por ambas as partes para o bem commum e socego dos povos, se ajusta huma firme, perpetua, verdadeira, e sincera paz, para ficar livre o commercio e correspondencia das terras de ambos os Estados; e assim:

2.o Se assenta e ajusta, que como na presente guerra houvesse de parte a parte mortes, feridas, e roubos, ficasse de huma e outra parte em perpetuo silencio, sem que haja direito algum para em tempo nenhum se poder pedir, nem lembrar cousa similhante.

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